... Um dos mal-entendidos que
dominam a noção de biblioteca é o facto de se pensar que se vai à biblioteca
pedir um livro cujo título se conhece. Na verdade acontece muitas vezes ir-se à
biblioteca porque se quer um livro cujo título se conhece, mas a principal
função da biblioteca, pelo menos a função da biblioteca da minha casa ou da de
qualquer amigo que possamos ir visitar, é de descobrir livros de cuja
existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente
importantes para nós.
... A função ideal de uma biblioteca é de
ser um pouco como a loja de um alfarrabista, algo onde se podem fazer
verdadeiros achados e esta função só pode ser permitida por meio do livre
acesso aos corredores das estantes.
... Se a biblioteca é, como pretende Borges, um modelo do Universo,
tentemos transformá-la num universo à medida do homem e, volto a recordar, à
medida do homem quer também dizer alegre, com a
possibilidade de se tomar um café, com a possibilidade de dois estudantes numa
tarde se sentarem numa maple e, não digo de se entregarem a um amplexo
indecente, mas de consumarem parte do seu flirt na biblioteca, enquanto retiram
ou voltam a pôr nas estantes alguns livros de interesse científico, isto é, uma
biblioteca onde apeteça ir e que se vá transformando gradualmente numa grande
máquina de tempos livres...».
Umberto Eco, A Biblioteca (1998)
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